quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Amargura de Paulo Coelho

Para os amargos, os heróis e os loucos sempre foram fascinantes: eles não têm medo de viver ou morrer. Tanto os heróis como os loucos são indiferentes diante do perigo, e seguem adiante.

O louco se suicida, o herói se oferece ao martírio em nome de uma causa – mas ambos morrem, e os amargos passam muitas noites e dias comentando o absurdo e a glória dos dois tipos.

É o único momento em que o amargo tem força para galgar sua muralha de defesa e olhar um pouquinho para fora; mas logo as mãos e os pés cansam, e ele volta para a vida diária.

O amargo crônico só nota a sua doença uma vez por semana: nas tardes de domingo. Ali, como não tem o trabalho ou a rotina para aliviar os sintomas, percebe que alguma coisa está muito errada – já que a paz destas tardes é infernal, o tempo não passa nunca, e uma constante irritação manifesta-se livremente.

Mas a segunda-feira chega, e o amargo logo esquece os seus sintomas – embora externamente blasfemando contra o fato de que nunca tem tempo para descansar, e os fins de semana passam muito rápido.

A única grande vantagem da doença, do ponto de vista social, é que já se transformara numa regra. Os amargos não constituem uma ameaça à sociedade, já que – por causa das altas muralhas construídas ao redor de si mesmos – estão totalmente isolados do mundo, embora pareçam partilhar dele.
O silencio dos inocentes me atrai
Ele me distrai
O barulho da multidão me fere
Como espada sem corte
Os ruídos do inferno eu escuto daqui
Deve ser por isso que não tenho paz!